domingo, 30 de novembro de 2008

Os negros no Rio grande do Sul

NEGROS DO RIO GRANDE DO SUL

Por Augusto Machado Paim

O menino-escravo perde um cavalo da estância e, como castigo, é torturado por seu patrão até quase morrer, sendo salvo por Nossa Senhora. É o que conta a lenda do Negrinho do Pastoreio, uma das mais conhecidas no Rio Grande do Sul, onde o herói é negro e o vilão é branco. Um reflexo da situação dos negros do extremo sul do Brasil no século XVIII, quando o trabalho escravo era utilizado para a produção de charque. O primeiro recenseamento, feito em 1780 pelo tenente Córdova, apontava a existência de mais de 5 mil negros, o equivalente a 28,4% da população gaúcha na época.

A professora de Comunicação Rhéa Sylvia Gartnër, que estuda a África há mais de 30 anos, especifica a origem desses povos: “Os africanos e descendentes entrados à força no Rio Grande do Sul, de 1737 a 1853, pertenciam a duas culturas: a sudanesa e a banto. Eles se denominavam genericamente de Angolas, Congos, Minas e Moçambique”. Segundo Gartnër, porém, existe registro da presença africana no estado já em 1635, antes do início da colonização portuguesa. Isso se deve ao fato de a região do Prata ter feito parte da rota do tráfico negreiro promovido pelos espanhóis.

Mais tarde, os afro-gaúchos participaram da Revolução Farroupilha (1835-1845) no Corpo dos Lanceiros Negros, escravos que pegaram nas armas com a promessa de alforria ao fim do conflito. Pelos cálculos do exército imperial, os negros compunham de um terço à metade de todo o contingente do exército rebelde.

O afro-gauchismo

Atualmente, segundo o IBGE, apenas 5,3% da população do Rio Grande do Sul se auto-declara de cor preta. Ainda assim, é o maior percentual da região Sul do Brasil.

Esse branqueamento se deve principalmente à imigração alemã e italiana no século XIX, além da chegada de poloneses e judeus ao estado no século XX.

Segundo o tradicionalista Chico Sosa, que estuda a origem dos elementos da cultura sul-riograndense, o gaúcho primitivo, também conhecido como pêlo-duro, é resultado da mistura dos índios com os espanhóis na Região do Prata. O hábito de se tomar chimarrão, aliás, é herdado dos índios, sendo que a palavra “cimarron”, que deu origem ao termo, é espanhola e quer dizer xucro, bárbaro, bruto. Sosa afirma, porém, que as influências africana e indígena na cultura gaúcha se confundem.

Os negros ingressaram no Rio Grande do Sul no século XVII e, com isso, passaram a participar do processo de sincretismo que veio a formar a cultura gaúcha. Segundo Sosa, toda a percussão da música tradicionalista sul-riograndense tem influência do ritmo africano. Como exemplos, a “vanera”, que é uma dança cubana que foi pra Espanha e depois chegou ao estado como “vanerão”, e a “polca”, que é de origem polaca mas pegou influência africana. Outra dança típica, a “milonga”, tem sua nomenclatura originada no verbo “milonguear”, que significava “falar” para os negros que formaram a cultura gaúcha.

No livro O Linguajar do Gaúcho Brasileiro, o historiador Dante de Laytano aponta mais alguns desses africanismos lingüísticos em palavras como “angico” (árvore), “banzo” (tristonho, pensativo), “bocó” (pessoa tola), “bugiganga” (coisa pequena, insignifcante), “caçula” (filho mais moço), “cafundó” (lugar distante), “cambada” (corja de desordeiros), “japona” (casaco de pano grosso) e “marimbondo” (inseto), dentre outros.

Também existem estudos que afirmam uma forte presença da prática de religiões de origem africana no estado. O batuque e a umbanda são praticados até mesmo em cidades colonizadas por alemães e italianos.

A professora Gartnër, que possui a maior biblioteca sobre o continente africano do estado, dá exemplos da contribuição africana na culinária. O doce de côco, a canjica e o quibebe são algumas dessas comidas que tiveram origem no outro lado do Atlântico. Para ela, porém, a maior influência dos negros está na maneira de pensar. A alegria, a bondade, a tolerância, o amor à paz e a bravura são, na sua visão, influências negras no caráter não só do gaúcho, mas de todo brasileiro.

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